O Decreto Tajani e o Retrocesso no Reconhecimento da Cidadania Italiana por Descendência
- Dejair Jorge Camargo Pereira
- 13 de out.
- 3 min de leitura
(Dejair Jorge Camargo Pereira e Odila Borini Diotallévy, advogados jubilados e pós-graduados em Direito Processual)

Introdução
Em março de 2025, o governo italiano promulgou o Decreto-Lei nº 36/2025, conhecido como “Decreto Tajani”, que alterou profundamente o tradicional princípio do ius sanguinis — o direito à cidadania por descendência. A medida provocou forte reação entre juristas, comunidades de ítalo-descendentes e instituições europeias, por representar uma ruptura com fundamentos constitucionais e direitos consolidados.
A cidadania italiana antes do decreto
Historicamente, a cidadania italiana por descendência era reconhecida de forma ampla. Bastava comprovar a ligação genealógica com um antepassado italiano — como avós ou bisavós — mesmo que o requerente tivesse nascido fora da Itália e possuísse outra nacionalidade. Essa abordagem refletia o entendimento de que a cidadania é um direito fundamental, vinculado à dignidade da pessoa humana e à pertença a uma comunidade política.
O que mudou com o Decreto nº 36/2025?
O novo decreto introduziu uma ficção jurídica retroativa: quem nasceu fora da Itália e possui outra cidadania pode ser considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana. A norma cria duas categorias de cidadãos:
Primeira classe: indivíduos nascidos na Itália ou com vínculos efetivos com o país, que mantêm o direito pleno à cidadania.
Segunda classe: descendentes nascidos no exterior com dupla cidadania, que só podem transmitir a cidadania se atenderem a novos e rigorosos requisitos.
Essa estratificação rompe com o princípio da pari dignità sociale (igual dignidade social), previsto no artigo 3º da Constituição Italiana, e configura uma forma de discriminação baseada em origem e condição pessoal.
Implicações jurídicas e críticas constitucionais
A Corte Constitucional Italiana já se manifestou sobre os limites da atuação legislativa em matéria de cidadania. Em decisões recentes, reafirmou que o Parlamento não possui discricionariedade absoluta, devendo respeitar os princípios de proporcionalidade e razoabilidade. A retirada de um direito fundamental, como a cidadania, exige justificativas robustas e alternativas menos gravosas — o que não se verifica no Decreto Tajani.
Além disso, a medida pode violar tratados internacionais, como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que proíbem discriminações arbitrárias e garantem o respeito à vida privada e à identidade cultural.
Impacto direto sobre brasileiros com cidadania italiana
1. Já reconhecidos como cidadãos italianos
Se nasceram fora da Itália e possuem outra cidadania (como a brasileira), podem ser considerados como nunca tendo adquirido a cidadania, salvo se:
O pedido foi protocolado antes de 27 de março de 2025, ou
Comprovarem vínculos efetivos com a Itália (residência, idioma, cultura, etc.).
2. Em processo de reconhecimento
Enfrentarão exigências mais duras, como:
Residência temporária na Itália.
Prova de laços culturais ativos.
Maior burocracia e documentação.
3. Transmissão da cidadania a filhos ou netos
Pode ser bloqueada, criando um “bloqueio geracional” que interrompe o direito à cidadania por descendência.
Considerações finais
O Decreto Tajani representa um desafio jurídico e humanitário. Ao transformar um direito fundamental em privilégio condicionado, fere a dignidade dos cidadãos e compromete o legado histórico do constitucionalismo italiano. Cabe às Cortes Superiores reafirmarem os valores da igualdade e da justiça, garantindo que os descendentes de italianos, onde quer que estejam, não sejam excluídos de sua identidade por razões políticas ou administrativas.
Se você é descendente de italianos e deseja preservar esse direito, o momento de agir é agora.








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