Juros abusivos e superendividamento: o Judiciário está virando a mesa contra os bancos?
- Dejair Jorge Camargo Pereira
- 22 de out.
- 3 min de leitura
por Dejair Jorge Camargo Pereira e Odila Borini Diotallévy, advogados jubilados e pós-graduados em Direito Processual

Introdução – O crédito que vira armadilha
Você já se sentiu afogado em dívidas, mesmo pagando mês após mês? Já olhou para a fatura do cartão e pensou: “mas eu já paguei isso!”? Se sim, você não está sozinho. O Brasil vive uma epidemia silenciosa: o superendividamento. E no centro desse problema está um vilão jurídico com nome pomposo — juros abusivos.
Tecnicamente, juros abusivos são aqueles que ultrapassam os limites da razoabilidade, ferindo princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Mas, na prática, é como se o consumidor entrasse em um labirinto financeiro onde cada saída é uma nova cobrança. O que começa como um empréstimo para pagar uma conta, vira uma bola de neve que cresce a cada mês — e o consumidor corre, mas não sai do lugar.
A boa notícia? O Direito está reagindo. Com a Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) e decisões judiciais cada vez mais sensíveis à realidade social, os tribunais começam a virar a mesa contra práticas bancárias predatórias. E é sobre isso que este artigo vai tratar: como o juridiquês pode — e deve — ser usado para proteger quem mais precisa.
A Lei do Superendividamento: um escudo jurídico para o consumidor
Aprovada em 2021, a Lei 14.181 trouxe um novo capítulo ao Código de Defesa do Consumidor, focado na proteção de pessoas físicas que não conseguem pagar suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial.
Principais dispositivos:
Renegociação compulsória de dívidas com todos os credores em bloco.
Proibição de publicidade agressiva para crédito fácil.
Preservação do mínimo existencial, garantindo que o consumidor não fique sem recursos para viver.
É como se o legislador tivesse lançado uma boia para quem está se afogando em boletos — e agora, cabe ao Judiciário garantir que essa boia não seja apenas simbólica.
Jurisprudência recente: o Judiciário começa a reagir
O STJ e diversos tribunais estaduais têm reconhecido a abusividade de cláusulas que impõem juros excessivos ou dificultam a quitação da dívida.
Exemplos:
STJ – REsp 1.634.851/SP: reconheceu a possibilidade de revisão judicial de contratos com juros abusivos.
TJ-SP – Apelação Cível 1003145-73.2019.8.26.0554: condenou incorporadora por simular contrato com mais de 36 meses para aplicar reajustes mensais indevidos.
Casos concretos que escancaram o problema
Um exemplo emblemático é o uso da chamada “parcela balão” em contratos de financiamento imobiliário. Embora pareça uma forma legítima de flexibilizar pagamentos, ela tem sido usada para burlar a legislação que proíbe reajustes mensais em contratos com prazo inferior a 36 meses.
Como mostrou Rafael Barros Emiliano de Almeida em artigo publicado no Consultor Jurídico, a prática consiste em inserir uma parcela simbólica no 37º mês — de valor irrisório — apenas para simular um contrato mais longo. Isso permite reajustes mensais indevidos desde o início, elevando artificialmente o valor total pago pelo consumidor.
A Justiça tem reagido com firmeza, reconhecendo a má-fé contratual e determinando a restituição em dobro das quantias cobradas indevidamente, com base no artigo 42, § único, do CDC.
Direito Bancário e função social: o contrato como instrumento de justiça
O contrato bancário não é apenas um acordo entre partes — é um instrumento que deve respeitar a função social, a boa-fé e a equidade. Quando o consumidor é colocado em posição de vulnerabilidade, o Direito precisa intervir.
A revisão judicial de cláusulas abusivas não é ativismo — é aplicação da lei. E a jurisprudência mostra que o Judiciário está cada vez mais atento ao desequilíbrio contratual que alimenta o superendividamento.
Conclusão: o Direito como ferramenta de reequilíbrio
O combate aos juros abusivos e à manipulação contratual é mais do que uma questão técnica — é uma luta por dignidade. A Lei do Superendividamento e a atuação firme dos tribunais mostram que o Direito Bancário está deixando de ser um território exclusivo dos bancos para se tornar um campo de proteção ao cidadão.








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