A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NÃO É ABSOLUTA
- Dejair Jorge Camargo Pereira
- 24 de set.
- 3 min de leitura
Entre o Direito, a Infâmia e o Interesse Público: uma reflexão sobre os limites da presunção de inocência na era da exposição midiática e da responsabilidade democrática.
(Dejair Jorge Camargo Pereira, advogado em SC)

Introdução
A presunção de inocência é um dos pilares das democracias modernas. Consagrada em documentos históricos como a Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ela representa uma garantia contra abusos do poder estatal. No Brasil, está inscrita no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Apesar da sua nobreza, esse princípio não é absoluto. Quando invocado de forma indiscriminada, pode se tornar um escudo contra a apuração legítima, a crítica pública e até mesmo contra medidas cautelares previstas em lei. O desafio está em equilibrar a proteção do indivíduo com o direito da sociedade à verdade e à justiça.
A Infâmia e o Julgamento Antecipado
A violação da presunção de inocência não é fenômeno recente. Desde os pasquins de Pietro Aretino, no século XVI, até os tabloides modernos e redes sociais, a infâmia tem sido arma poderosa contra reputações. A imprensa, muitas vezes guiada pela máxima de que “o nome faz a notícia”, atua como catalisadora de julgamentos morais antes mesmo da apuração dos fatos.
Na Inglaterra, o denuncismo contribuiu para a queda dos Stuarts e inflamou a Revolução de 1688. Na França absolutista, a difamação era classificada em três graus:
On-dit (fofoca)
Nouvelles de bouche (boato)
Mauvais propos ou bruis publics (difamação direta)
Maquiavel e Richelieu utilizaram tais práticas como instrumentos de poder. Não por acaso, foi na França que surgiu a necessidade de frear o julgamento antecipado do cidadão.
O Direito à Suspeita Legítima
A presunção de inocência não impede a investigação, nem a divulgação responsável de suspeitas. O ordenamento jurídico brasileiro prevê medidas cautelares — como a prisão preventiva (art. 312 do CPP) — que podem ser aplicadas mesmo antes da condenação definitiva. Isso demonstra que o status de inocente não é blindagem absoluta.
Se fosse, a presunção de inocência se converteria em estímulo à delinquência e insulto à sociedade. Em tempos de escândalos políticos, é comum que esse princípio seja invocado como reação imediata à exposição pública, seguido da tentativa de desqualificar o acusador — estratégia autoritária que, infelizmente, costuma surtir efeito.
A Cultura do Denuncismo e o Papel da Sociedade
O denuncismo irresponsável, que destrói reputações sem provas, está enraizado na cultura brasileira. Mas isso não justifica que a presunção de inocência se torne obstáculo intransponível à transparência. A sociedade tem o direito-dever de questionar, investigar e especular com responsabilidade.
No caso de agentes públicos, esse direito é ainda mais evidente, pois não lhes cabe invocar a ingenuidade do homem comum. A suspeição, nesses casos, deve ser vista como figura legítima entre dois extremos: culpabilidade e inocência.
Conclusão
A presunção de inocência é um princípio essencial, mas não absoluto. Seu valor reside no equilíbrio: proteger o indivíduo sem sufocar o interesse público. A sociedade deve manter-se vigilante, sem cair na tentação do linchamento moral, mas também sem se calar diante de indícios sérios.
Como advertia La Rochefoucauld:
“As virtudes perdem-se no interesse como os rios se perdem no mar.”
Cabe ao Direito impedir que essa dissolução se torne regra — e à sociedade, exigir que a verdade não seja refém da retórica.








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