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STF: A Crise de Coerência nos votos dos seus Ministros e os Limites da Jurisdição Constitucional

  • Foto do escritor: Dejair Jorge Camargo Pereira
    Dejair Jorge Camargo Pereira
  • 23 de set.
  • 5 min de leitura
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(Dejair Jorge Camargo Pereira, advogado jubilado e pós-graduado em Direito Processual)

Resumo

Este artigo analisa criticamente o fenômeno das decisões judiciais conflitantes no Judiciário brasileiro, com foco no Supremo Tribunal Federal (STF) e no julgamento dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A partir de uma abordagem hermenêutica e filosófica, mobilizando autores como Ronald Dworkin, Lenio Streck, Jürgen Habermas e Robert Alexy, discute-se como a fragmentação decisória compromete a segurança jurídica, a isonomia e a legitimidade democrática. Propõe-se uma superação interpretativa que resgate a integridade do discurso jurídico e os limites da jurisdição constitucional.


Palavras-chave: STF; Hermenêutica; Segurança Jurídica; Streck; Dworkin; Habermas; Alexy; Jurisprudência contraditória; Estado de Direito.


Introdução

Em tempos de hiperjudicialização e protagonismo institucional do Poder Judiciário, torna-se cada vez mais evidente o fenômeno das decisões diametralmente opostas proferidas por órgãos judiciais sobre casos substancialmente semelhantes. Longe de representar mera curiosidade jurisprudencial, essa realidade revela uma crise hermenêutica profunda, que compromete a segurança jurídica, a isonomia e a própria legitimidade democrática do sistema de justiça.

A contradição entre entendimentos judiciais não apenas enfraquece a autoridade das decisões — ela deslegitima o discurso jurídico como espaço racional de resolução de conflitos. Quando o mesmo ordenamento permite que dois juízes, diante de situações análogas, decidam de forma absolutamente oposta, o direito deixa de ser linguagem normativa e passa a flertar com o arbítrio.

Este artigo propõe uma análise crítica do fenômeno dos entendimentos antagônicos no Judiciário brasileiro, à luz da filosofia do direito e da hermenêutica constitucional. Partindo de casos emblemáticos — como o julgamento dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 — e da reflexão teórica de autores como Dworkin, Streck, Habermas e Alexy, busca-se compreender as causas, implicações e possíveis caminhos de superação dessa dissonância institucional. Mais do que apontar falhas técnicas, pretende-se evidenciar que a coerência decisória é condição de possibilidade para a existência de um Estado Democrático de Direito.


1. Direito como Integridade (Ronald Dworkin)

Dworkin propõe que o direito deve ser interpretado como um sistema coerente de princípios, e não como um conjunto fragmentado de regras. No caso do 8/01, o STF adotou uma linha interpretativa que reconhece a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito como núcleo da conduta criminosa. No entanto, a mudança de posicionamento do ministro Luiz Fux — que inicialmente votou pela competência da Corte, mas posteriormente defendeu a remessa dos casos à primeira instância — revela uma ruptura na integridade interpretativa. Essa oscilação compromete a previsibilidade e a legitimidade da jurisdição constitucional.

“O direito não é um mosaico de decisões isoladas, mas uma narrativa que exige coerência entre seus capítulos.”


2. Crítica Hermenêutica do Direito (Lenio Streck)

Streck denuncia o decisionismo judicial e a ideia de que o juiz pode decidir conforme sua convicção pessoal, mesmo diante de precedentes e normas constitucionais. A divergência interna no STF sobre a competência para julgar os atos golpistas exemplifica o que Streck chama de “crise de fundamentação”. A ausência de um critério hermenêutico estável para definir a competência da Corte, mesmo diante de fatos gravíssimos e de repercussão nacional, expõe o risco de um Judiciário que se contradiz e, por isso, se deslegitima.

“Não há democracia sem coerência jurídica. E não há coerência jurídica sem compromisso hermenêutico com a Constituição.”


3. Teoria do Discurso e Legitimidade (Jürgen Habermas)

Habermas defende que a legitimidade do direito decorre de processos discursivos racionais e inclusivos. No julgamento do 8/01, o STF buscou garantir ampla defesa e contraditório, conforme destacado pelo ministro Alexandre de Moraes. No entanto, a divergência sobre a competência da Corte — especialmente quando alguns ministros passaram a defender a remessa dos casos à primeira instância — levanta dúvidas sobre a estabilidade institucional do discurso jurídico. A fragmentação decisória, mesmo dentro do próprio STF, compromete a ideia de que o direito é fruto de um consenso racional.

“Quando o Judiciário fala com vozes dissonantes sobre fatos tão graves, o discurso jurídico perde força normativa e simbólica.”


4. Teoria dos Princípios e Ponderação (Robert Alexy)

Alexy contribui com a ideia de que os princípios jurídicos são normas de otimização, cuja aplicação exige ponderação racional. A oscilação entre ministros do STF quanto à competência revela uma falha na aplicação ponderada dos princípios constitucionais envolvidos — como a proteção à ordem democrática versus o direito à ampla defesa. A ausência de critérios claros de ponderação contribui para a instabilidade decisória.


5. Segurança Jurídica e o Risco da Fragmentação Decisória

A segurança jurídica é mais do que um princípio abstrato: é o cimento que sustenta a arquitetura normativa do Estado de Direito. Ela garante que os cidadãos possam confiar na estabilidade das normas, prever os efeitos de suas condutas e exercer seus direitos com proteção contra arbitrariedades. Sem ela, o direito deixa de ser instrumento de emancipação e passa a ser vetor de insegurança.

A fragmentação decisória — especialmente entre tribunais superiores e instâncias inferiores — tem corroído esse alicerce. A multiplicidade de entendimentos sobre temas sensíveis, como o fornecimento de medicamentos, o direito ao esquecimento ou, mais recentemente, o julgamento dos atos golpistas de 08/01/2023, revela uma jurisprudência que oscila entre o pluralismo interpretativo e o caos hermenêutico.

A mudança de posicionamento do ministro Luiz Fux sobre a competência do STF para julgar os réus do 8 de janeiro é emblemática. Quando o próprio guardião da Constituição hesita sobre sua jurisdição, o cidadão se vê diante de um sistema que não oferece respostas estáveis, mas sim interpretações voláteis. Isso compromete:

  • A previsibilidade das decisões

  • A proteção da confiança legítima

  • A isonomia entre jurisdicionados

  • A integridade do discurso jurídico

“A justiça não é apenas o que se decide — é o que se pode esperar.”


6. Propostas de Superação: Da Técnica à Revolução Hermenêutica

A superação dos entendimentos antagônicos exige mais do que reformas processuais: exige uma revolução interpretativa. Algumas propostas incluem:

  • Fortalecimento dos precedentes vinculantes e da repercussão geral

  • Criação de um observatório de coerência jurisprudencial

  • Formação continuada dos magistrados em hermenêutica constitucional

  • Revisão do papel dos votos individuais em tribunais colegiados

  • Estímulo à fundamentação com base em princípios e não apenas em normas

CONCLUSÃO

A coerência decisória não é um luxo hermenêutico — é um imperativo democrático. Quando o Judiciário se permite falar com vozes dissonantes sobre fatos juridicamente idênticos, ele não apenas compromete a previsibilidade das decisões, mas também fragiliza o pacto institucional que sustenta o Estado de Direito. A justiça que se contradiz não apenas se enfraquece — ela se deslegitima.

O julgamento dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, com suas oscilações internas e disputas interpretativas, expõe a urgência de uma hermenêutica constitucional comprometida com a integridade normativa e com a racionalidade discursiva. Se o direito é linguagem, que tipo de narrativa estamos construindo quando cada magistrado escreve seu próprio capítulo sem ler os anteriores? “A resposta a essa pergunta não é apenas teórica — é existencial para a democracia.”

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Contato: Dra. ODILA BORINI DIOTALLÉVY

 
 
 
 
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