JUÍZES COPISTAS: Prática que Silencia o Convencimento: Uma análise crítica sobre Plágio nas decisões judiciais e os limites da fundamentação por referência
- Dejair Jorge Camargo Pereira
- 23 de set.
- 7 min de leitura
(Dejair Jorge Camargo Pereira e Odila Borini Diotallevy, advogados jubilados (Master) e pós-graduados em Direito Processual)

Resumo
Este artigo analisa criticamente a prática do plágio judicial, compreendida como a apropriação indevida de conteúdo alheio em decisões judiciais sem atribuição ou contextualização. A partir de fundamentos constitucionais, processuais e éticos, discute-se a validade da fundamentação por referência, os limites da autoria judicial e as consequências jurídicas e disciplinares da prática. São apresentados casos concretos, tipologias de plágio e propostas para prevenção institucional. Conclui-se que o plágio judicial compromete a legitimidade da jurisdição e exige resposta normativa e cultural.
Palavras-chave: Plágio judicial; Fundamentação; Livre convencimento; Ética judicial; CNJ.
1. Introdução
Em tempos de decisões judiciais em série, onde a produtividade parece sobrepor-se à reflexão, emerge um fenômeno inquietante: o plágio judicial. Não se trata apenas de copiar trechos doutrinários ou jurisprudenciais — trata-se de sentenças que não pensam, que não decidem, que apenas reproduzem. O juiz, nesse cenário, deixa de ser intérprete da norma para se tornar operador de um sistema automatizado, onde o “Ctrl+C, Ctrl+V” substitui o livre convencimento motivado.
A prática do plágio judicial, embora juridicamente difusa, é eticamente corrosiva. Ela compromete a autenticidade da jurisdição, fragiliza a confiança institucional e desafia os pilares do devido processo legal. Este artigo propõe uma análise crítica sobre as formas mais comuns de plágio judicial, seus impactos na qualidade da prestação jurisdicional, os limites éticos e legais da fundamentação por referência, e os mecanismos de responsabilização disciplinar do magistrado.
2. O Que É Plágio Judicial?
O plágio judicial consiste na apropriação indevida de conteúdo alheio — seja doutrinário, jurisprudencial ou até mesmo de outras decisões judiciais — sem atribuição, contextualização ou análise crítica. Embora não envolva necessariamente violação de direitos autorais, compromete a autenticidade da fundamentação e a responsabilidade decisória do magistrado.
3. Tipologias e Comparações
Quadro Comparativo: Fundamentação Legítima vs. Plágio Judicial

4. Fundamentos Legais e Doutrinários
Constituição Federal – Art. 93, IX
Exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas. O plágio judicial, ao ocultar o verdadeiro autor do raciocínio, fere esse princípio, pois a decisão não revela o convencimento do juiz, mas sim uma reprodução não autenticada.
Código de Processo Civil – Art. 489, §1º
Define o que não é fundamentação válida, como a repetição de fórmulas genéricas ou ausência de enfrentamento dos argumentos das partes. O plágio judicial frequentemente incorre nesses vícios, tornando a sentença nula por ausência de motivação.
Lei de Direitos Autorais – Art. 8º, IV
Decisões judiciais não são protegidas por direito autoral, o que significa que o plágio judicial não configura infração patrimonial. No entanto, isso não legitima a apropriação indevida como conduta ética.
Doutrina
Autores como André Pagani de Souza e Cristiano Farias defendem que a fundamentação por referência só é válida quando o juiz explica por que aquela decisão se aplica ao caso concreto. A doutrina alerta para o risco de despersonalização da jurisdição.
Responsabilidade Disciplinar
A LOMAN impõe ao juiz deveres como independência, diligência e honestidade intelectual. O plágio judicial pode ser enquadrado como falta funcional, passível de apuração pelo CNJ ou pelas corregedorias locais.
5. Exemplos Práticos
Porto Alegre (RS, 2017): Juíza teve sentença anulada por copiar integralmente outra decisão sem adaptação ao caso concreto.
Tema 1.306 do STJ: Admite fundamentação por referência, mas exige análise individualizada.
CNJ: Já recebeu denúncias e instaurou PADs por condutas que comprometem a integridade intelectual do juiz.
STJ – Plágio literário: Embora em contexto editorial, reforça a reprovabilidade jurídica da apropriação dissimulada de conteúdo
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6. Consequências Jurídicas e Éticas do Plágio Judicial
Nulidade da Sentença
A ausência de fundamentação válida, conforme exige o art. 93, IX da Constituição Federal e o art. 489 do CPC, pode acarretar a nulidade da sentença. Quando o magistrado se limita a copiar trechos doutrinários, jurisprudenciais ou até outras decisões sem contextualização, ele deixa de exercer o juízo de valor exigido pela função jurisdicional. Essa nulidade não decorre do plágio em si, mas da violação ao dever de motivação, que é condição de validade do ato decisório. A jurisprudência tem reconhecido que decisões que não enfrentam os argumentos das partes ou que se limitam à reprodução de modelos genéricos não satisfazem o contraditório nem a ampla defesa, podendo ser anuladas por vício formal.
Exemplo: Em decisões de Turmas Recursais, já se reconheceu a nulidade de sentenças que copiavam integralmente outras, sem qualquer menção ao caso concreto, por ausência de fundamentação própria.
Responsabilidade Disciplinar
O magistrado que incorre em plágio pode ser responsabilizado administrativamente por conduta incompatível com a dignidade da função pública, nos termos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). A falta de zelo na elaboração da sentença, o desrespeito à independência intelectual e a omissão na análise dos autos podem configurar infrações disciplinares, passíveis de apuração pelo CNJ ou pelas corregedorias locais. Além disso, o plágio pode ser interpretado como violação ao princípio da imparcialidade, caso revele dependência excessiva de terceiros ou ausência de autonomia decisória.
O CNJ já instaurou Processos Administrativos Disciplinares (PADs) em casos de decisões padronizadas que ocultavam a autoria intelectual do magistrado, comprometendo a autenticidade da jurisdição.
Comprometimento da Confiança Institucional
A prática do plágio judicial mina a credibilidade do Poder Judiciário. Quando as partes percebem que a decisão não foi pensada, mas apenas reproduzida, instala-se um sentimento de desconfiança quanto à imparcialidade, à seriedade e à legitimidade da sentença. A Justiça, para ser respeitada, precisa ser autêntica, transparente e intelectualmente honesta. O plágio rompe esse pacto simbólico entre o julgador e a sociedade, fragilizando a autoridade da jurisdição.
Em tempos de judicialização intensa, a confiança pública no Judiciário é um ativo institucional que não pode ser corroído por práticas que banalizam o ato de julgar.
Impacto na Formação e Cultura Jurídica
O plágio judicial desestimula o pensamento crítico, empobrece o debate jurisprudencial e compromete a evolução do Direito. Juízes que apenas replicam decisões não contribuem para o amadurecimento da doutrina nem para a construção de precedentes sólidos. Além disso, essa prática afeta a formação de novos magistrados, que passam a enxergar a jurisdição como um exercício mecânico, e não como um ato de responsabilidade intelectual. A cultura jurídica perde densidade quando a autoria é substituída pela repetição.
A magistratura deve ser espaço de reflexão, não de reprodução. A sentença é, antes de tudo, uma manifestação de pensamento jurídico — e não um produto de colagem.
7. Propostas e Recomendações para Prevenção do Plágio Judicial (ampliado)
Formação Ética e Técnica Contínua
É essencial que os cursos de formação e aperfeiçoamento da magistratura incluam o tema do plágio judicial como parte da ética profissional. A autoria intelectual deve ser valorizada como virtude jurisdicional, e o juiz deve ser treinado para reconhecer os limites entre fundamentação legítima e apropriação indevida. Além disso, é preciso fomentar o estudo da linguagem jurídica, da argumentação e da construção de raciocínios próprios.
A formação ética não é acessória — é estrutural. Um juiz bem formado pensa antes de decidir e escreve com responsabilidade.
Boas Práticas na Redação de Sentenças
A adoção de boas práticas na elaboração das decisões é medida preventiva eficaz. Entre elas:
Citação correta e contextualizada das fontes utilizadas;
Evitar decisões padronizadas que ignoram as especificidades do caso;
Construção de argumentos próprios, mesmo que baseados em jurisprudência consolidada;
Revisão crítica de modelos e minutas antes da assinatura.
A sentença deve ser um texto vivo, que dialoga com os autos e com os argumentos das partes — não um bloco genérico de jurisprudência.
Transparência na Fundamentação por Referência
A técnica “per relationem” é válida, mas exige cuidado. O juiz deve:
Indicar expressamente a decisão referida;
Justificar sua pertinência ao caso concreto;
Complementar com análise própria dos autos.
A referência não pode ser um atalho para evitar o raciocínio. Ela deve ser uma ponte entre decisões, não um esconderijo da autoria.
Ferramentas de Detecção e Prevenção
Tribunais podem adotar tecnologias que auxiliem na preservação da integridade da produção judicial:
Softwares de verificação de originalidade textual;
Sistemas que detectem padrões excessivos de repetição;
Indicadores de qualidade decisória baseados em análise semântica.
A tecnologia deve ser aliada da ética, não substituta da reflexão. Ferramentas ajudam, mas o compromisso com a autoria é humano.
Atuação das Corregedorias e do CNJ
Os órgãos de controle devem:
Estabelecer protocolos claros para apuração de plágio judicial;
Criar canais de denúncia acessíveis e protegidos;
Valorizar decisões que demonstrem autoria, profundidade e análise individualizada.
A fiscalização deve ser pedagógica, preventiva e transparente. O objetivo não é punir, mas preservar a dignidade da jurisdição.
Valorização da Autenticidade na Cultura Jurídica
A cultura jurídica precisa resgatar o valor da decisão bem fundamentada, pensada e escrita com responsabilidade. Isso implica:
Estimular a produção intelectual dos magistrados;
Reconhecer a originalidade como critério de qualidade jurisdicional;
Rejeitar a padronização excessiva como sinônimo de eficiência.
A Justiça não pode ser uma máquina de sentenças. Ela precisa ser uma voz que pensa, escuta e decide com autoria.
8. Conclusão
O plágio judicial é mais do que uma infração ética: é um sintoma de uma crise silenciosa na produção jurisdicional. Quando o juiz abdica de sua função intelectual e reproduz decisões alheias sem reflexão, a jurisdição perde sua voz, sua legitimidade e sua capacidade de fazer justiça no caso concreto. A fundamentação deixa de ser um exercício de convencimento e passa a ser uma formalidade vazia — uma colagem de ideias que não pertencem ao julgador.
Embora não haja tipificação legal específica para o plágio judicial, os dispositivos constitucionais e processuais exigem que toda decisão seja fundamentada de forma clara, individualizada e coerente. A jurisprudência e a doutrina reforçam que a técnica da fundamentação por referência só é válida quando acompanhada de análise própria. E os órgãos de controle, como o CNJ, têm o dever de zelar pela integridade da magistratura, inclusive diante de condutas que comprometem a autenticidade da função jurisdicional.
Mais do que punir, é preciso prevenir. A formação ética, o estímulo à autoria intelectual e o uso responsável de modelos são caminhos para restaurar a confiança na Justiça. Porque, no fim das contas, uma sentença não é apenas um texto jurídico — é a expressão da responsabilidade de decidir. E decidir exige pensar, refletir e assumir a autoria do que se escreve.






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